Dos 35 cargos de gestão, 30 são ocupados por mulheres. Maria do Carmo, diretora executiva do Hospital Metropolitano Dr. Célio de Castro (Foto: Olavo Maneira)

“Quanto mais perto do topo chegamos, menos mulheres encontramos”. A frase é de Wangari Maathai, primeira mulher africana a ganhar o Nobel da Paz (2004), e está impressa nas primeiras páginas do livro de sua concidadã, a nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie em  “Sejamos todos feministas”. O pensamento vem da África e ressoa mundo afora.

Pesquisa de 2017, a ‘Women in Business’ revela que o índice das mulheres que estão em cargos de CEOs ou de diretorias executivas no mundo é de apenas 12%. Desigualdade de gênero e divisão sexual do trabalho sustentam essa taxa mesmo diante do fato de que as mulheres representam 49% do mercado de trabalho mundial, segundo a Organização Mundial do Trabalho (OIT).

Esse é um cenário que vem se alterando lentamente e que vem fundamentado principalmente no protagonismo feminino: seja ele de pautar essa discussão na mídia, na política, na escola ou na família, seja o de ocupar espaços historicamente dominados pelos homens.

Os exemplos, ainda que exceções, existem, inspiram, motivam e fortalecem a luta pela igualdade entre os gêneros. Em Belo Horizonte, o Hospital Metropolitano Dr. Célio de Castro se destaca pela quantidade de mulheres em funções de coordenação, gerência e diretoria.

Dos 35 cargos de gestão do Hospital, cinco estão sob a responsabilidade de homens e 30, de mulheres. Desses 35 postos de trabalho, cinco são gerências e apenas uma dessas posições é ocupada por homem. Além disso, dos quatro cargos de diretoria, três são ocupados por mulheres.

A liderança principal da instituição, na função de diretora executiva, é missão de uma mulher, Maria do Carmo, médica, doutora em Administração pela Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG e com trajetória de 30 anos de dedicação na área de saúde pública. “Em todas as situações em que ocupei cargos de gestão, nunca pensei na questão do gênero para compor a equipe. A minha trajetória também não é a de mudança imediata de equipes quando chego para ocupar uma função de liderança. Se ocorrem mudanças, elas acontecem após um percurso de avaliação de habilidades e de competências para a missão de cada um”, pondera.

Para ela, a questão da desigualdade de gênero precisa ser discutida sob a perspectiva da interseccionalidade. “Na minha trajetória profissional sempre estive ao lado de mulheres em cargos de gestão. Sou da área da saúde e o cuidado está relacionado de forma seminal ao gênero feminino. Por outro lado, em uma turma de medicina, ter duas ou três pessoas negras em uma turma de 160 alunos, como foi no meu caso, é a constatação de que raça e gênero são temas que precisam ser debatidos juntos. Como mulher negra, sempre fui uma exceção entre poucas no exercício de poder”, reflete.

Avanços

Coordenadora de Seleção, Treinamento e Desenvolvimento da Gerência de Recursos Humanos do Hospital Célio de Castro, Flávia Barbosa afirma que nas seleções públicas para contratação de profissionais para o Hospital, as mulheres são maioria em todas as funções como candidatas e como aprovadas.

Dessa forma, Flávia vê como responsabilidade do mercado de trabalho a valorização do conhecimento e da experiência das mulheres em cargos de chefia. “Hoje a mulher se sente mais confortável nessa busca, nessa disputa, elas querem ocupar esse espaço de liderança e é um movimento que aparece de forma clara”, afirma.

Fato é que, no Brasil, as mulheres têm mais anos de estudo que os homens. Os números mais recentes, de 2015, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) sobre o Sistema Nacional de Pós-Graduação mostra 175.419 mulheres matriculadas e tituladas em cursos de mestrado e doutorado frente a 150.236 homens. A diferença é de aproximadamente 15%.

Que o diga a enfermeira Vanessa Dias Souza de Morais. Aos 32 anos, casada, mãe de dois filhos, Raquel, de 6, e Joaquim, de 2, ela tem quatro especializações em menos de dez anos de profissão. “Eu me formei em 2008 na FUMEC e iniciei minha vida profissional no Hospital Metropolitano Odilon Behrens. Fui residente e depois contratada como enfermeira para trabalhar no CTI. Depois de três anos lá, a coordenadora de enfermagem saiu de licença-maternidade e tive a oportunidade de assumir a coordenação da Terapia Intensiva, fiquei dois anos nessa função e depois assumi a gerência da CME”, relata.

A Central de Material e Esterilização (CME) é um dos setores principais de um hospital. Essa Central é onde se processa e dispensa todo o material que vai ser usado na assistência ao paciente: desde uma tesoura para a retirada de um ponto até materiais altamente complexos. “É na CME que se esteriliza e retira todo tipo de vida microbiana dos instrumentos utilizados pela equipe assistencial”, explica.

Mesmo com cinco anos de experiência em funções de gestão hospitalar, Vanessa conta que sentiu sua competência colocada em xeque quando chegou para participar do projeto do Hospital Metropolitano Dr. Célio de Castro, em 2014. “As lideranças maiores eram homens e senti certa desconfiança quando cheguei”, diz.  Com esforço e competência, ela mostrou sua capacidade. “Foi uma conquista muito grande, eu nunca tinha participado da construção de um hospital quando me convidaram. Tive que entender desde a planta, estudar e buscar todo esse conhecimento não só de processos, mas também de estrutura para saber se estava adequada às legislações. Depois de tudo concluído, fui procurada e me disseram que, no início, não acreditavam que eu daria conta, mas que eu não só dei conta, como superei expectativas e ajudei além do que eu deveria”, relata.

Hoje, Vanessa é coordenadora de Enfermagem da Linha de Cuidado ao Paciente Cirúrgico no Hospital Célio de Castro. Ela é especialista em Terapia Intensiva, pelo Centro Universitário UNA, em Centro Cirúrgico -CME, pela Faculdade Pitágoras; em Serviço de Controle de Infecção Hospitalar, pelo Instituto de Ensino Superior e Pesquisa; e, em 2017, concluiu, pela UFMG, a especialização em Cardiologia e Hemodinâmica.

Conciliar a profissão com a maternidade é um desafio, mas que ela encara com coragem.  “Minha filha nasceu prematura de 7 meses. Quando engravidei já estava na coordenação, não deixei de trabalhar e nem de dar assistência a ela. Ela agora está na fase da alfabetização, faço questão de acompanhar, fazemos o para-casa juntas, levo na natação, no balé, no inglês. Tenho um outro filho e gosto de fazer a merendeira, de conferir os materiais que levam para escola. E não deixo de fazer as minhas atividades. Faço academia às 6h30 da manhã”, diz.

É uma mulher maravilha da vida real, como outras tantas brasileiras. No país, as mulheres dedicam 10,5 horas semanais a mais que os homens em trabalhos domésticos – lavando louças, arrumando a casa, cuidando dos filhos.

Desigualdade salarial
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), de 2015, mostram que independentemente do tempo de estudo, os homens sempre ganham mais que as mulheres, mas quanto mais altos os níveis de escolaridade, maior é a desigualdade salarial entre os sexos.

Em cargos de gerência os homens ganham, em média, R$ 5.222. Já as mulheres recebem R$ 3.575. A PNAD revela ainda que, para trabalhadores com até 4 anos de estudo, a diferença é de menos de R$ 1 por hora e cresce até atingir mais de R$ 13 por hora para pessoas com mais de 12 anos de estudo.

No Hospital Metropolitano Dr. Célio de Castro não existe diferença salarial entre homens e mulheres que exercem a mesma função.

O ano novo começou com uma notícia que exemplifica as conquistas pela igualdade de direitos entre os gêneros ao redor do mundo. Em 1º de janeiro de 2018, passou a vigorar na Islândia uma lei que torna ilegal pagar mais a homens do que as mulheres no país.

A lei será aplicada tanto nos órgãos governamentais quanto nas empresas do setor privado com mais de 25 funcionários. Para isso, as instituições terão que obter uma certificação do governo que garante que, naquele local de trabalho, existem políticas de igualdade salarial. Quem não alcançar a certificação, será multado.

Assim, a Islândia se torna o primeiro país no mundo a tornar a igualdade salarial obrigatória.