Seu Márcio, Dona Marli e Maiara (Foto: Álvaro Miranda)

“Esta rua era um deserto. Não passava carro. De comércio, não tinha nada. Hoje, onde é o Hospital, era um depósito”, conta o aposentado Márcio Antônio Júnior, 68 anos, morador da Rua Dona Luiza e vizinho de frente do Hospital Metropolitano Dr. Célio de Castro (HMDCC). Não só a vida dele, da esposa e dos filhos foi transformada pela chegada de um hospital de alta complexidade com 460 leitos, 2 mil profissionais, 1300 internações mensais e movimentação diária de cerca de 600 pessoas. O impacto econômico – geração de renda e de emprego – é sentido em todo o Bairro Milionários, na região do Barreiro.

A história de Seu Márcio, como é carinhosamente chamado, com o Hospital começou quando o prédio ainda estava sendo construído. Ele e a esposa, Marli Soares Ramos, 69 anos, também aposentada, começaram a fazer chup-chup e a vender picolé para ajudar na renda familiar. “Naquela época [em 2015] a gente chegava a vender R$ 300,00 de chup-chup em um dia, 1000 picolés por semana”, relata Marli.

Dona Marli conta que, com a chegada dos primeiros contratados do Hospital, em junho de 2015, começaram os pedidos por novos produtos. “Vocês podiam colocar umas mesinhas aqui fora. Dona Marli, por que não faz café e bolo para vender? Vimos, então, que tínhamos cliente e potencial para crescer”, recorda-se ela.

No início, o local de atendimento aos clientes era improvisado, acontecia na garagem da casa da família, que segundo ela, era do espaço de um carro. “Eu me lembro de um dia que caiu uma chuva forte e cinco médicos que estavam aqui se molharam completamente”, dia.

O telhado, ela conta, foi conquistado com a renda de um mês de trabalho com o local já funcionando como lanchonete. Marli diz que a mudança do negócio [de venda de chup-chup para lanchonete] coincidiu com a abertura do Hospital, em dezembro de 2015.

Com o funcionamento 100% dos leitos do Hospital Célio de Castro, que ocorreu em dezembro de 2017, o movimento cresceu e a oportunidade gerou novo investimento no local. Parte da casa onde o casal mora foi derrubada para ampliação do negócio da família. A filha de Seu Márcio e Marli, Maiara Lessa, 31 anos, gastrônoma, trabalhava como subchefe em um restaurante, largou o emprego e hoje também vive do negócio da família. “Estava ficando apertado para o pai e a mãe sozinhos. O negócio é lucrativo, eles me fizeram a proposta e aceitei”, salienta.

Em 5 de março deste ano, um novo espaço para o funcionamento da lanchonete foi inaugurado, já com Maiara integrando a equipe, e, em outubro de 2018, o local passou por nova ampliação. “A nossa renda familiar aumentou em 1000%”, afirma Maiara.


Judith Crispina de Oliveira, mais conhecida como Juju (Foto: Álvaro Miranda)

Quem também viu a renda familiar se multiplicar “em 800%” foram a cantineira Judith Crispina de Oliveira, 61 anos, e a filha, Pollyanna Ferrari Rodrigues Martins, 32 anos, graduada em letras e pedagogia. Também moradoras do Barreiro, Judith viu a oportunidade de abrir o próprio negócio em 2009, na época do Orçamento Participativo, quando o Hospital Célio de Castro ainda era um sonho da comunidade, materializado em uma maquete. “Em fevereiro de 2015, quando tínhamos certeza de que o Hospital seria inaugurado alugamos esta casa”, relata. O restaurante da Juju, como é conhecida entre os trabalhadores do Hospital, está localizado em uma das esquinas em frente ao quarteirão que a unidade de saúde ocupa.

O negócio foi iniciado em 18 de maio de 2015. “Começamos com uma lanchonete, mas não estava dando certo. Eu fazia comida pra gente e as pessoas da obra começaram a falar que o cheiro estava bom, que a gente podia fazer para vender. Fizemos marmitex por dois dias, no segundo dia, já compramos o self service”, lembra Judith.

Há três anos, Judith e Pollyanna vivem financeiramente da renda do restaurante. Mais do que negócios, o empreendimento gerou também amizades e um carinho recíproco. “Gosto muito dos meus clientes, todos são muito atenciosos. Eu fui pioneira aqui. Faço a comida como se fosse para a minha família. Fazemos o nosso tempero, o nosso próprio molho porque a nossa preocupação é que todo mundo se alimente bem. Por isso faço questão de comprar eu mesma os ingredientes. Sei que fritura tem mais saída, as pessoas gostam e eu faço para agradar, mas sempre ofereço junto verduras e legumes”, diz. Atualmente, mãe e filha vendem, em média, 100 refeições ao dia. “Tudo que conquistamos é com muita luta”, resume Judith.

Novas oportunidades
Vizinhos e empreendedores pioneiros, Seu Márcio e Juju presenciam a continuidade do crescimento dos negócios na região. Recentemente, em 25 de outubro, uma rede nacional de de supermercados abriu uma nova unidade na Rua Dona Luiza, endereço do Hospital Célio de Castro. Somente nesta rua, em 2018, também foram inauguradas uma loja de doces, dois estacionamentos e uma farmácia em frente ao Hospital também está prestes a inaugurar.

Paulo César Ferreira e Glaúcia Ferreira(Foto: Álvaro Miranda)

 

Glaúcia Ferreira, 38 anos, que trabalhava como motorista de transporte escolar, mudou de rumo profissionalmente ao decidir, junto com o marido, Paulo Cesar Ferreira, 41 anos, comprar a casa da mãe, que era vizinha do Hospital e não se adaptou à movimentação de pessoas, carros e ônibus no bairro.

A antiga residência se transformou em três negócios. Por enquanto. Paulo fez um estacionamento com 24 vagas, que ele administra, uma loja que alugou e que hoje funciona uma lanchonete e Gláucia montou uma loja de doces. “Temos o projeto de construir mais quatro lojas e uma sala ou flat”, conta ele.

A filha do casal, Ana, 20 anos, que é fotógrafa está trabalhando com a mãe e o caçula de 15, Samuel, ajuda o pai no estacionamento. Segundo Paulo, o empreendimento complementou a renda da família em 50%. Ele também atua como gerente de operações de empresa de transporte.

Moradores do Barreiro, a família reconhece o ganho que o Hospital trouxe para a região. “Aqui não tinha nem linha de ônibus”, observa Gláucia. Para facilitar o acesso de pacientes, familiares, visitantes e trabalhadores, a BH Trans mudou o itinerário das linhas 3350 e 341 que começaram a passar na porta do Hospital no final de 2017. Neste ano, em maio, uma nova linha, a 208, passou a atender a região.

Seu Márcio concorda: “Para o bairro, a chegada do Hospital foi um espetáculo, os imóveis valorizaram, não tinha comércio perto, nada. Há dez anos, um vizinho vendeu o lote dele por R$ 60 mil. Ele morreu chorando por não ter acreditado no potencial da região”.

 


Elci Rodrigues Neves Leal (Foto: Álvaro Miranda)

Emprego
Quem alugou a loja de Paulo e Gláucia foi Elci Rodrigues Neves Leal, 54 anos. Moradora da Vila Pinho, na região do Barreiro, ela e a família viviam uma situação de desemprego há três anos quando viram a possibilidade de abrir um negócio em razão do funcionamento 100% do Hospital. “Precisávamos fazer algo para sobreviver, estávamos desempregados, eu e meu marido. A nossa ideia era atuar como ambulante na porta do Hospital, vendendo suco, café e salgado. Mas vimos a placa de aluguel da loja e imediatamente comecei a providenciar a papelada para ser locatária”, conta Elci.

Em 26 de janeiro de 2018, ela abriu a lanchonete. O começo foi difícil. “Não tínhamos mobiliário, peguei emprestado dois jogos de mesa e cadeiras. Os fornecedores dos produtos só aceitavam dinheiro, não tínhamos capital de giro e peguei dinheiro emprestado com as minhas irmãs”, relembra.

Afetos
Um mês de loja aberta já conseguiu adquirir uma segunda geladeira. Em dez meses de negócio, está com tudo montado, é cliente conhecida dos fornecedores e está prestes a concluir o pagamento do empréstimo. “Estamos tirando daqui o sustento da nossa casa”, afirma. Sobre a concorrência, o clima é de cooperação: “Somos todos amigos, está todo mundo crescendo junto”, salienta Elci. Judith concorda: “O Seu Márcio sempre manda cliente pra mim e a gente pra ele”.

A paisagem – de bairro pacato e silencioso – mudou, mas o clima de vida em comunidade permanece. “Para o meu pai, isso aqui [o negócio] foi importantíssimo. Antes do Hospital, ele passava o dia deitado vendo televisão. Acho que ele já podia ter até morrido. Tudo valeu a pena. O carinho que recebemos não é só de funcionários. Fazemos amizade com os familiares de pacientes que voltam do interior para ver a gente”, relata Maiara.

“Do pessoal da limpeza aos médicos, a amizade é o que vale a pena”, concorda Seu Márcio.