Mostra resgata 21 anos de história da atenção oferecida pelo Centro: “estamos quebrando estigmas”.
“Eu sou mais feliz hoje do que quando era considerado são. Meu horizonte se expandiu, conheço a história da minha saúde e consigo perceber a aflição do outro. Tudo isso graças ao trabalho do Centro de Convivência Barreiro”. O depoimento de Marcos Evando Martins dos Santos, de 38, resume o resultado do tratamento em liberdade da pessoa em sofrimento mental.
Marcos teve sua primeira crise em 2009, precisou ser internado, passou por um Centro de Referência em Saúde Mental (Cersam) e, desde 2010, é usuário do Centro de Convivência Barreiro. Lá, é frequentador das oficinas de música, escrita e artes cênicas e está orgulhoso que o trabalho artístico desenvolvido por ele e outros usuários integrará a exposição “Meus dedos derrubam barreiras do mundo”.
A mostra celebra os 21 anos do trabalho desenvolvido no Centro de Convivência Barreiro com usuários da rede de saúde mental e será inaugurada em 7 de dezembro, às 15h, no auditório do Hospital Metropolitano Dr. Célio de Castro (HMDCC). “É muito positivo poder divulgar o nosso trabalho em uma exposição. Estamos quebrando estigmas”, afirma Marcos Evando.
A exposição ficará aberta ao público de 8 de dezembro a 31 de janeiro, das 10h às 17h, na área de convivência do HMDCC. Estarão expostos 40 quadros e 21 painéis com pinturas, desenhos e bordados que foram construídos coletivamente. Algumas peças foram produzidas especialmente para a exposição e outras resgatam o trabalho que vem sendo desenvolvido nas últimas duas décadas. As temáticas são variadas, mas o pano de fundo de todas as obras é resultado da reflexão do fazer artístico e do que as mãos são capazes de produzir: da beleza da arte à transformação individual e coletiva.
Pai de Natalie, 14 anos, Pablo, 11, e Enzo, 8, Marcos Evando espera que os três filhos estejam presentes na abertura da exposição. Marcos é um dos autores do samba-enredo que embalou o desfile de 18 de maio deste ano no centro de BH, data que celebra o Dia Nacional da Luta Antimanicomial. A composição “Não Me Calo Nem No Pranto” foi a vencedora do Concurso de Samba Enredo organizado pelo Fórum Mineiro de Saúde Mental em parceria com a escola de samba “Liberdade Ainda que Tam Tam”. A música estará no repertório do show de abertura da exposição com o grupo ExperiMental, do Centro de Convivência Barreiro.
Para ele, a sociedade ainda enxerga a pessoa com transtorno mental como inválida e é importante quebrar esse preconceito. “Queremos ser vistos e desejamos que nosso trabalho seja conhecido. A arte, para nós, é um combustível de ânimo, ela é capaz de provocar sensações que já havíamos esquecido e fazer da obscuridade uma luz”, diz.
Eliana Fernandes dos Anjos, 48 anos, também subirá ao palco junto com Marcos Evando e os demais integrantes do Grupo ExperiMental na abertura da exposição. Frequentadora do Centro de Convivência Barreiro há 10 anos, ela participa de todas as oficinas oferecidas na unidade. “Depois que passei a frequentar o Centro de Convivência me encontrei. Venho aqui todo dia, de segunda a sexta, fiz amigos, aprendi pintar, cantar e bordar”, relata.
O Centro de Convivência Barreiro tem 1.290 usuários cadastrados desde a sua abertura em 1996 e oferece oficinas de musicalização, literatura e poesia, cartonagem, artesanatos diversos e artesanatos com tecido, artes plásticas, artes cênicas, toy art, criação de objetos e customização.
Marcos Alexandre Pereira, 30 anos, é também usuário do Centro. Casado há 15 anos, e pai de duas meninas, Rebeca, 15, e Alessandra, 12, ele veio de Várzea da Palma para Belo Horizonte cuidar da saúde. Em 2013, foi diagnosticado com bipolaridade e depressão e encaminhado para o Cersam Barreiro. Desde então, se mudou com a família para a capital mineira.
O tratamento nos Centros de Referência em Saúde Mental (Cersams) busca a estabilização do quadro clínico do paciente em sofrimento mental com o suporte de uma equipe multiprofissional. Depois de passar pelo Cersam, Marcos Alexandre foi encaminhado ao Centro de Convivência Barreiro. Hoje ele é estoquista em um supermercado de BH, está inserido no mercado de trabalho e reconstruindo sua vida pessoal. Para isso, conta também com o apoio da esposa, Francislene Madeira, que trabalha como auxiliar administrativo. “É um amor bem bonito”, ele diz com sorriso no rosto.
A exposição
A mostra “Meus dedos derrubam barreiras do mundo” vai apresentar trabalhos atuais, produzidos especialmente para a exposição, e obras desenvolvidos desde 2010 pelos usuários do Centro de Convivência Barreiro. “Queremos contar a história desses 21 anos do Centro”, ressalta a monitora de artes plásticas e artes cênicas do espaço, Marilene Castanha.
A monitora diz que 21 anos é idade que simboliza a maturidade. “Ao mesmo tempo que marca o início de uma nova fase é a idade de fortalecer o que já conquistamos: o tratamento em liberdade, substitutivo do hospital psiquiátrico. Mas a batalha continua”, reforça. Marilene completa: “O nosso desejo é sempre o de levar para a comunidade o trabalho desenvolvido pelos usuários do Centro de Convivência Barreiro”.
A oportunidade de dar visibilidade a essa história veio do convite feito pela diretora executiva do Hospital Metropolitano Dr. Célio de Castro, Maria do Carmo, à gerência do Centro de Convivência Barreiro. “Essa exposição tem, para nós, do HMDCC dois significados: o primeiro trata de uma das iniciativas de integração do hospital ao território onde está localizado, a despeito de ser um hospital de referência estadual. O segundo significado é o de reforçar o pioneirismo de décadas da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte na luta antimanicomial com a criação de serviços substitutivos ao manicômio. Os Centros de Convivência são uma das formas de demonstração dessa possibilidade”, afirma.
Dezembro também é o mês em que o HMDCC será entregue 100% à população de Belo Horizonte. A abertura total dos leitos e serviços de saúde acontecerá no aniversário de 120 anos da cidade, em 12 de dezembro.
“Há 21 anos os moradores do Barreiro em sofrimento mental têm oportunidade de vivenciar a inserção social de forma cuidadosa, cidadã e em liberdade. E cada um destes cidadãos que supera suas dificuldades de inserção e consegue uma convivência mais inclusiva, sentindo-se pertencente e fazendo laços, proporciona mudanças significativas para si mesmo, no ambiente familiar e muito contribuem para mudanças de paradigmas sociais onde as diferenças passam a ser não apenas aceitas e respeitadas, mas também valorizadas.”, afirma Marise Hilbert, gerente do Centro de Convivência Barreiro.
Centro de Convivência
Os Centros de Convivência são serviços que compõe a rede de atendimento em Saúde Mental da Prefeitura de Belo Horizonte, substitutiva ao manicômio. O foco é a inserção social da pessoa em sofrimento mental, por meio da arte e da cultura, estimulando a convivência e a sociabilidade.
Os usuários devem ser encaminhados por profissionais da saúde que sejam referência/responsáveis pelo tratamento nas Unidades Básicas de Saúde, Cersams, Consultórios de Rua, Unidade de Acolhimento, – todos esses serviços do SUS -, mas também por profissionais da rede privada. O atendimento é para pessoas em sofrimento mental e usuários em uso prejudicial de álcool e outras drogas que apresentem dificuldades de inserção social. Belo Horizonte tem nove Centros de Convivência.
HMDCC
O HMDCC é um hospital geral de retaguarda para urgência e emergência, em especialidades clínicas, cirúrgicas e AVC. Com 460 leitos, sendo 80 de CTI, é referência para atendimento de alta complexidade na Rede SUS-BH e do Estado nas seguintes especialidades: clínica médica, ortopedia, cirurgia geral, cirurgia vascular, neurocirurgia, neurologia e urologia. O atendimento de urgência e emergência clínica e cirúrgica é referenciado e regulado pela Central de Internação de Belo Horizonte.
Serviço:
Exposição ‘Meus dedos derrubam barreiras do mundo’
Abertura: 7 de dezembro, às 15h
Local: Auditório do Hospital Metropolitano Dr. Célio de Castro
Endereço: Rua José de Oliveira Gonçalves, 340, Bairro Milionários (Barreiro)
Horário de visitação: 8 de dezembro a 31 de janeiro, das 10h às 17h.