Durante a pandemia de Covid-19 eu conheci uma paciente que se chamava Patrícia,  uma menina nova que deveria ter uns 30 anos. Ela era mãe recente, tinha um bebezinho de três meses de idade.

Ela chegou via UPA ao hospital e foi direto para a Unidade de Estabilização Clínica (UEC), um setor que foi aberto na época para atender pacientes com a doença. Ela estava com um quadro respiratório muito ruim e tinha indicação de ser entubada e transferida para o CTI.

Ela chorava muito quando fui dar a notícia e me pediu:

– Eu não quero ser entubada, eu tenho medo de não voltar.

Era tudo muito triste nessa época e esse pedido abalou toda a equipe. Geralmente, quando vamos entubar um paciente, ele já está pouco consciente, mas a Patrícia era uma paciente superconsciente e superorientada. E era direito dela não querer ser entubada.

Ela implorou por mais tempo, para ver se conseguia melhorar o padrão respiratório. Era noite e combinamos de esperar até a manhã do dia seguinte. A equipe passou a madrugada toda de olho nela, prestando atenção. Não preguei o olho.

No outro dia de manhã ela própria não aguentava mais tanto sofrimento, tanta falta de ar e pediu para conversar com o marido por videochamada. Ela pediu que, se caso ela não voltasse, que ele não deixasse que nada de ruim acontecesse com a filha. 

Até hoje eu fico com essa cena na minha cabeça porque eu também era mãe recente, com uma filha pequena, praticamente da idade da filha dessa paciente. 

Então ela foi entubada e encaminhada para o CTI. Durante os primeiros dias dela na terapia intensiva eu fiquei acompanhando para ver se ela estava tendo melhora, foi uma luta muito grande, ela teve outros comprometimentos, precisou fazer diálise por problema renal, doi traqueostomizada. Sinceramente, achava que ela não fosse sair daquele quadro.



Nesse meio tempo, mudei de setor e fui para a linha de cuidado ao paciente cirúrgico, na enfermaria. Depois de duas semanas, já fora da linha de frente da Covid-19, não conseguia mais acompanhar o caso da Patrícia.

E como eu fui para a área de apoio à gestão, eu perdi um pouco o contato assistencial, não conseguia ver todos os pacientes que chegavam na unidade de internação onde eu estava.

Passou muito tempo e teve um dia que precisei entrar em uma enfermaria para estudar o caso de uma paciente que me chamou para conversar. Quando entrei, ao lado dessa paciente estava a Patrícia.  

E na hora que eu entrei e dei de cara com ela, a Patrícia me olhou também e começou a chorar. E eu comecei a chorar junto com ela…

Eu tenho certeza que Deus quis me mostrar que ela estava bem já que eu tinha perdido a continuidade do tratamento dela e, até então, estava sem saber se ela tinha sobrevivido ou morrido.  

E ela me contou que ficou 60 dias internada no CTI, que quase morreu.  

Após esse reencontro, comecei a ir todos os dias no quarto dela para saber como estava, se precisava de alguma coisa, perguntava para os médicos como o quadro dela estava evoluindo…

No dia da alta, ela agradeceu toda a equipe, fizemos um corredor de aplausos e ela me deu uma lembrancinha e falou que se sentia grata pela equipe ter conseguido entender as razões dela, de ter respeitado o limite dela.

Eu cheguei conhecer a filhinha dela, o marido dela. Foi uma história com final feliz em meio a tantas perdas e dores que a pandemia nos deixou e que carregamos até hoje como profissionais da saúde e pessoas.

Essa história me marcou profundamente e me deixou um aprendizado muito grande. Hoje em dia eu escuto muito do que os pacientes pedem para justamente fazer o melhor possível para eles. O nome disso é humanização e procuro ao máximo humanizar o meu atendimento de forma que o paciente realmente se sinta melhor. Acredito também que esse encontro com a Patrícia me fez a gente enxergar a vida com mais delicadeza e mais sentimento.

Vanélia Nunes