Uma das histórias que mexeu muito comigo foi de uma paciente, ela estava indo de Ipatinga para Caratinga, voltando do trabalho. Estava de moto, já tinha carteira de moto há alguns anos e, no meio do trajeto, ela foi fechada por uma carreta e foi arrastada por alguns metros.
Quando ela chegou ao chão, ela viu as pessoas se aproximando para poder ajudar – ficou consciente o tempo todo! – e presenciava o pavor no rosto das pessoas, ao ponto de não terem coragem de encostar nela.
Ela não entendia porque não conseguia ver o resto do seu corpo.
Quando o resgate, o SAMU chegou para transportá-la, conseguiu ver um pouco da perna e ela contou que só via o osso.
Ela foi atendida em um hospital próximo, lá da cidade, que não tinha tantos recursos para poder resolver o problema dela e acabou sendo transferida aqui para o Hospital Célio de Castro.
A Renata, nome da paciente, chegou aqui para gente já com o emocional muito abalado porque ela era uma menina jovem, ela tinha mais ou menos por volta de uns 30 anos, e estava impactada emocionalmente porque teria que fazer uma amputação.
A equipe da cirurgia vascular e da ortopedia trabalharam de forma muito brilhante nesse caso. Eles se uniram! A Renata passou por quatro cirurgias, inúmeros curativos, curativos complexos a vácuo que a gente realizava aqui, além do atendimento da fisioterapia, da psicologia… Todo a equipe empenhada para salvar aquela perna.
Foram dois meses e quatro dias internada aqui.
Outubro é o mês do aniversário da Renata e quando nós começamos a pensar na festa, de criar um momento para celebrar aquela data que é importante para ela, compartilhamos a ideia com o namorado dela na época. E ele nos trouxe que aproveitaria então para fazer o pedido de casamento, para formalizar o noivado deles.
Isso mexeu com todo mundo da equipe, todo mundo vibrou e gente mergulhou naquele momento, mergulhamos para que aquilo acontecesse de fato, vivenciamos de uma forma muito completa porque a gente sabe o quando esse momento é importante.
O namorado da Renata não saiu de perto dela em nenhum momento, sabe? Ele se organizou todo para que pudesse estar aqui acompanhando tudo, para que pudesse estar aqui nos dias dos procedimentos cirúrgicos, para que pudesse estar aqui quando ela se sentisse mais cabisbaixa, no momento que ela ficasse mais triste. Ele se esforçava para estar aqui com ela a maior parte do tempo.
E a Renata demonstrava que tinha esse sonho de seguir a vida com esse companheiro, de casar, de constituir família. Ela já demonstrava isso para gente de uma maneira muito carinhosa.
Quando esse pedido aconteceu, todo mundo se emocionou demais! Ela não esperava por isso e quando vivenciou esse momento, ela representou ali cada um de nós, mulheres e homens, naquele lugar de importância no coração de alguém.
Nessa época, a Renata já estava com o emocional mais fortalecido, ela tinha conseguido sustentar aquele membro, não tinha perdido a perna e tudo estava indo bem. Havia pela frente muitas sessões de fisioterapia para serem feitas, muito curativos a serem realizados, mas estava conseguindo se manter.
Ela não esperava pela surpresa de aniversário e nem pelo pedido de casamento em momento algum. E isso foi uma emoção muito grande e bonita de testemunhar.
Por que essa história mexe muito comigo? Porque quando ela sofre esse acidente, ela estava voltando para casa como em um dia comum de trabalho, como todos nós tantas e tantas vezes.
E isso me fez pensar que, quando a gente sai de casa para vir trabalhar, não pensamos que podemos não retornar.
Quantos de nós, quantas pessoas saem de casa para trabalhar sem saber o que vai acontecer nesse trajeto?
A gente não dá tanto valor para isso, para essa saída de casa para o trabalho, né? É algo corriqueiro: vou ali trabalhar, vou ali na escola, vou ali na numa consulta médica…
Em uma das conversas dela com a equipe, uma das coisas que mais me chamou a atenção foi o tanto que esse pensamento mexeu com ela, que conseguiu mostrar isto para mim: de valorizar a pessoa que está em casa, que você deixou e espera encontrar novamente.
Mas que talvez você possa não encontrar de novo.
Ela teve a sorte de encontrar. E saiu daqui andando!
A Renata é uma paciente que a gente tem contato com ela até hoje pelas redes sociais. Inclusive, a gente acompanha todas as comemorações da vida dela.
O ensinamento que ficou para mim a partir dessa história foi o de realmente, na hora que eu estiver saindo de casa, falar para as pessoas que eu amo o quanto elas são importantes. E valorizar esse momento porque pode ser que um dia esse encontro não aconteça mais.
Vanessa Dias.