
A história que eu escolhi para contar é a de uma paciente que chamava Geralda.
A Dona Geralda era uma mulher que morava em Rondônia, tinha uma doença degenerativa séria, muito importante. Ela estava em viagem para Vitória em busca de tratamento, acompanhada da sua irmã, e o voo que ela veio teve que fazer uma conexão em Belo Horizonte.
Ela se sentiu mal, precisou de um cuidado hospitalar e veio para o Hospital Célio de Castro.
Aqui passou a ser a casa dela e da irmã por muitos e muitos meses. Entre seis e oito meses, ela morou aqui.
Por causa desse tempo, a irmã conseguiu fazer vínculos com outros acompanhantes e elas passaram a ter um tipo de apoio, já que não tinham familiares na cidade.
O caso dela demandava um cuidado multidisciplinar, com a necessidade de um envolvimento de toda a equipe. Além disso, ela era uma pessoa que nos emocionava muito.
Dona Geralda era uma mulher de uma cidade do interior, no Norte do país, muito distante da capital de Rondônia. Ela era casada, tinha uma filha com deficiência… Era uma chefe de família, mesmo sendo casada, algo incomum pela sua condição de saúde e muito inspirador.
Além disso, ela não era só chefe de família como ela fazia muitos movimentos na comunidade dela de cuidado coletivo, de cuidado com as pessoas que a rodeavam. Ela já tinha uma vida com muitas dificuldades e ainda assim tinha disponibilidade afetiva para fazer esse cuidado para fora de casa também.
E então ela era essa mulher muito inspiradora!



A cada atendimento eu realmente saía muito emocionada. Era como se eu não pudesse acreditar que aquela pessoa, com aquele nível de dificuldade funcional, de comprometimento de saúde, pudesse enxergar a vida de uma maneira tão simples, com tanto desejo de transformação e tão positiva na forma de falar e de se colocar.
Ela me encantava também porque se colocava com muita clareza, ela tinha uma organização do pensamento, da fala, dos sentimentos muito diferente do comum. Era uma pessoa com uma luz diferente que vai transformando tudo ao redor.”
Ela ficou aqui esses meses todos, a saúde dela foi declinando ao longo desse tempo – como era esperado -, mesmo sendo muito bem cuidada.
Era um declínio funcional e quando conseguiu uma estabilidade em relação ao quadro de saúde que a trouxe aqui, o hospital passou a batalhar para o seu retorno para a família. Para o lugar dela. Para o lar.
E isso não foi simples, isso foi muito difícil…
Fazer esse transporte de volta para muito longe não estava previsto em nenhum dos acordos de transporte daquela ocasião. A gente estudava, a gente buscava, cada um com o conhecimento que tinha, buscava fora um tipo de profissional que pudesse conhecer e pudesse nos direcionar… Aí a diretoria foi sendo envolvida e tomou essa solução para si como uma missão para fazer essa mulher voltar para sua casa.
Depois de muito tempo a gente conseguiu que Dona Geralda fosse de transporte aéreo para Porto Velho acompanhada da irmã.
Quando chegou foi recebida pela equipe do hospital para onde foi referenciada e eu mantive contato com essa irmã por algum tempo. Dona Geralda não sobreviveu muito tempo. As necessidades de cuidado foram sendo maiores do que já era esperado e os recursos de saúde eram mais difíceis por lá.
Ela deixou uma marca enorme em toda a equipe e por muito tempo essa mulher viveu forte dentro de mim porque, inclusive, fui eu que a produzi no dia de ir embora, fui eu que fiz a produção dela, passei batom, arrumei o cabelo, para que ela fosse bonita, para que ela viajasse bonita o tanto quanto ela era por dentro.
Ela me inspira todas as vezes que eu lembro dela porque me ensinou muitas coisas. Dentre elas, como que o que a gente precisa para viver é tão simples, como só o fato de respirar sem dificuldade já é maravilhoso.
Outra coisa também que me marcou muito e que me impulsionou muito é a força dela.
A força que ela tinha diante das dificuldades. E as dificuldades dela elas eram de todas as dimensões possíveis, era uma dificuldade de movimento, era uma dificuldade social, era uma dificuldade de distanciamento da família. E ela não perdia a força e nem o foco.
Ela tinha certeza de que ela ia conseguir voltar para casa, ela também tinha certeza de que a morte não demoraria, mas ela soube viver todos os dias sem que ela estivesse esperando por isso.
Dona Geralda viveu até morrer. E isso também foi um grande aprendizado para mim: de viver todo dia.
Para fechar com chave de ouro, um ponto muito interessante dessa passagem aqui no Hospital Célio de Castro, é que ela retornou para casa na véspera do Dia das Mães e do aniversário da filha.
Era um desejo dela que foi realizado.
Juliana Pantuza, terapeuta ocupacional