A história que vou contar é de um paciente que chegou ao hospital em situação de rua. Ele fazia uso de drogas e era importante encontrar um lugar para onde ele pudesse ir após a alta hospitalar.

Muitas vezes o trabalho do assistente social é de investigação.

Começamos a procurar a família para ver se seria possível restabelecer algum tipo de vínculo. Pensávamos também que talvez essa família vivesse a angústia da falta de notícias, que pudessem estar em busca desse paciente sem saber o seu destino.

E é realmente um trabalho de investigação, de montar um quebra-cabeças a partir de pistas deixadas aqui e ali.

Iniciamos a busca nos postos de saúde em busca de informações de um cadastro para saber onde a pessoa nasceu, a cidade em que tirou a carteira de identidade, nome dois pais…

Nunca é tão simples quanto relatar, mas fato é que conseguimos localizar a família e descobrimos que a mãe desse paciente estava procurando por ele há 20 anos.

Foi uma celebração para a equipe!

A gente juntou tudo o que queria: uma família disposta a oferecer um lugar seguro para essa pessoa e a oportunidade para o paciente tentar parar com o uso das drogas, um lugar pudesse ser moradia, paz, alimento e afeto.

E aí partimos para a fase da organização da vinda da família para Belo Horizonte.

O irmão veio, buscou e a equipe realizada sentindo “graças a Deus, ele voltou para a família”. E pensávamos que ele seria mais bem cuidado, que não ia viver na rua, não ia passar frio, ficar debaixo de chuva por aí.
Sabe aquele sentimento de dever cumprido? Pois é.

Mais ou menos um mês atrás, ficamos sabendo que o paciente havia retornado para o hospital. Quando descobri que ele estava aqui de novo, senti uma confusão de sentimentos. Pensava, “Meu Deus, mas ele não estava feliz lá?” E sentia como se tivesse fracassado.

Olhando para trás, a reflexão que faço hoje é que nem sempre o meu desejo vai coincidir com o do outro. A pergunta que tem me acompanhado é o que que será que esse paciente quer?


A pessoa é livre, o paciente tem autonomia e querer voltar para onde ele nasceu, para onde está a família dele pode não ser um desejo dele. Não posso querer que ele pense igual a mim…

Quando soubemos que ele havia retornado, fizemos novo contato com a família que contou que “fez de tudo, arranjou benefício, tirou novo documento”. Relataram que ele passou um tempo lá, que viveram um período de festa, que conseguiram alguma coisa para ele fazer e preencher o tempo dele. Um esforço coletivo na tentativa de que ele não voltasse para as drogas, para a rua, mas que ele optou por voltar.

E eu pensei assim: “Meu Deus! Será que agora devo para de querer achar as famílias? E concluí que não. Por mais que o final não deu certo do meu ponto de vista, a equipe tentou e sei que promover o encontro da mãe com o filho 20 anos depois foi importante.

Não consigo não pensar nessa mãe. Imagina passar 20 anos sem ver um filho, deve ser desesperador.

E essa história foi também importante para o meu crescimento profissional. Acredito que a gente aprende no dia a dia com os pacientes, com tudo o que a gente vivencia aqui. Cada experiência é um aprendizado novo e vou tocando a minha vida de assistente social que é o que eu amo fazer.

Geórgia Silveira